Empresas aceleram operações de fusão e aquisições para pagar menos IR
Operações de fusão e aquisição de companhias estão sendo aceleradas neste fim de ano. O motivo, segundo advogados que atuam na área, é evitar mais gastos com impostos. Isso porque os que não conseguirem fechar negócios até o último dia de 2016 terão de arcar com uma tributação mais pesada sobre o ganho de capital – no caso das transações envolvendo pessoa física.
Aprovada no mês de março, a Lei nº 13.259 prevê alterações nas alíquotas do Imposto de Renda (IR) para essas situações. Hoje, são fixados 15% para operações envolvendo qualquer valor. Já a partir do ano que vem, o imposto será cobrado de forma progressiva: 15% para ganhos de até R$ 5 milhões, 17,5% para valores entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, 20% de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões e 22,5% acima desse valor.
“Está sendo tudo para ontem”, diz o advogado Luís Alexandre Barbosa, do escritório LBMF Sociedade de Advogados. “Há um aumento muito grande no volume de operações e de finalizações de tratativas que vinham ocorrendo desde meados do ano. Os clientes estão pedindo urgência para que tudo seja finalizado até 31 de dezembro”, acrescenta.
Um dos casos que acompanha envolve a venda de uma empresa de tecnologia brasileira para um grupo francês. Os valores, nesse caso, ultrapassam R$ 150 milhões – o que significa uma diferença de imposto, comparando a alíquota atual com a de 2017, de mais de R$ 11 milhões. A operação toda foi concluída em 35 dias para que esse gasto a mais fosse evitado. Em condições normais, sem pressa, o prazo seria de cerca de seis meses.
Barbosa afirma que, na banca onde atua, há pelo menos outros cinco casos semelhantes. “Se não existisse esse cenário, eles negociariam mais alguns meses e chegariam aos termos do contrato em março ou abril. Mas como há a questão da tributação, eles estão deixando detalhes da negociação e focando nos principais pontos para acelerar o negócio.”
Essa corrida afeta os dois lados: o do vendedor, que tem pressa porque não quer pagar mais em impostos, e o do comprador, por correr o risco de ter um aumento no preço se deixar a negociação para o ano que vem.
O advogado Roberto Pary, sócio da área de fusões e aquisições do escritório Souza Cescon, acredita que nos casos em que já há conversa, as partes já assinaram carta de intenção e estão negociando contrato definitivo, certamente haverá rediscussão de preço se a transação não for concluída até o fim do ano. “Porque no fim do dia, o vendedor faz a conta do que efetivamente vai receber. E quando tem majoração de alíquota é fato que vai acabar sobrando menos”, aponta Pary.
Sócio do setor tributário do Demarest, Carlos Eduardo Orsolon conta que tem acompanhado casos em que as partes estão optando por flexibilizar os termos do contrato. “O vendedor diminui um pouquinho os valores que receberia e o comprador deposita essa parte que deixará de ser repassada em uma conta garantia. Dessa forma, se surgir alguma contingência que não foi verificada durante a operação, porque precisou ser acelerada, já haverá esse dinheiro”, diz.
Há esse tipo de acordo, por exemplo, para que mesmo fechando a operação até 31 de dezembro, exista ainda a possibilidade, no ano seguinte, de encerrar a auditoria legal. Segundo Orsolon, hoje, está muito mais enxuto o prazo para a due diligence (investigação para levantar passivos e confirmar dados disponibilizados aos potenciais compradores).
Antes, as equipes de auditoria concluíam o relatório e só depois enviavam os dados para que os advogados classificassem os riscos da operação. Essa etapa levava ao menos três semanas (duas para a auditoria e mais uma para a análise do advogado). Hoje, para acelerar o procedimento, estão sendo analisadas as versões preliminares do relatório.
“Eles vão apurando as informações e compartilhando. Então o prazo caiu para menos de uma semana”, diz o advogado do escritório Demarest. “Porque a lógica toda é que para decidir o preço normalmente se descontam aquelas possíveis contingências cujo o risco de perda seja muito grande. Então, compradores e vendedores precisam ter pelo menos ‘um cheiro’ desse número para conseguir definir o preço até o fim do ano e assinar os documentos”, destaca.
Há dúvidas no mercado, no entanto, em como o Fisco irá interpretar o fechamento dos contratos. Principalmente em relação ao pagamento. Não está claro na Lei nº 13.259 se basta que a operação seja concluída até 31 de dezembro para garantir a alíquota atual ou se a operação tem de ser fechada e pagos os valores referentes à transação ainda em 2016.
Especialistas na área, os advogados Luca Salvoni e Augusto César Rodrigues, do escritório Cascione, Pulino, Boulos & Santos, entendem que a única forma de não haver qualquer risco de mudança no percentual do imposto é o pagamento ser efetuado ainda neste ano, à vista. Acreditam, por outro lado, que há argumentação jurídica para manter a alíquota de 15% nos casos em que o contrato prever o pagamento parcelado da compra.
“Para a venda a prazo, calcula-se o valor à vista. Mas o imposto vai sendo recolhido conforme o recebimento das parcelas. Pode ser, porém, que estejamos antecipando um contencioso dos próximos anos porque não há um posicionamento claro da Receita”, pondera Salvoni.
Os advogados afirmam, no entanto, que estão correndo ao máximo com as antecipações do pagamento. “Muitas vezes com impacto no preço. E nos casos em que não deu, nós fizemos até pagamento em outros formatos. Há investidores que estão pagando parte do total em ações para garantir o fechamento total neste ano”, acrescenta Augusto César Rodrigues.
Procurada pelo Valor para esclarecer a interpretação que será dada à norma, a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.