O ‘ovo da serpente’ da inflação
O Brasil deve encerrar 2024 com um crescimento econômico forte, diante de um Produto Interno Bruto (PIB) projetado entre 3% e 3,5%. No entanto, o ano de 2025 deve apresentar problemas mais complexos, graças à previsão de um ajuste fiscal mais rígido, que deve reduzir a contribuição do setor público, aliado a um ambiente de juros mais elevados. Mesmo assim, o aquecimento da economia em 2024 já levanta preocupações do Banco Central (Bacen) no que diz respeito ao controle inflacionário.
Um dado revelador, apresentado pelo professor Antonio Lanzana durante a última reunião do Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), ilustra bem a magnitude da questão: a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), saltou de 3,69%, nos 12 meses encerrados em abril, para 4,76%, em outubro. Já os preços dos serviços, tradicionalmente mais rígidos, também subiram: de 4,81%, até agosto, para 5,01%, em setembro.
Além disso, sinais de superutilização da capacidade produtiva começam a surgir, sugerindo que o País já tenha ultrapassado o pleno emprego. Comparando as informações da atividade do terceiro trimestre deste ano com o mesmo período de 2023, observa-se um crescimento relevante em diversos setores: o IBC-Br avançou 4,7%; a Indústria, 3,9%; o Comércio ampliado, 4,8%; e os Serviços, 3,3%. Essas altas devem resultar em revisões otimistas para o PIB anual, consolidando um cenário de demanda em excesso.
No setor externo, por sua vez, a absorção da poupança estrangeira reforça o quadro de pressão. O déficit em transações correntes, que representava 0,78% do PIB em janeiro, atingiu 2,07% em setembro. Paralelamente, os valores da balança comercial mostram um descompasso notável — enquanto as exportações caíram 0,7% na comparação entre outubro de 2024 e outubro de 2023, as importações dispararam 22,5%.
O mercado de trabalho, como já dito acima e em artigos anteriores, também evidencia um esgotamento das condições produtivas. Os aumentos do emprego formal e da renda real média confirmam que o País opera próximo da sua capacidade máxima. A expansão do crédito adiciona mais combustível à demanda, agravando os riscos inflacionários, com o índice oficial já ultrapassando a banda superior da meta.
Como se não bastasse, mais dois fatores externos tornam o controle da inflação ainda mais desafiador. Primeiro, a recente vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, com a sua agenda econômica protecionista, inclui aumento de barreiras comerciais, cortes de impostos corporativos e estímulos ao crescimento. Essas medidas podem elevar a inflação do planeta, pressionando os juros norte-americanos e desvalorizando o câmbio no Brasil.
O segundo fator é a deterioração das expectativas econômicas. Segundo o boletim Focus, as projeções para a inflação subiram tanto para 2024 quanto para 2025. Em quatro semanas, a estimativa para este ano aumentou de 4,5% para 4,64%, enquanto a do ano que vem passou de 3,99% para 4,12%. Simultaneamente, a cotação do dólar para o fim do ano foi ajustada de R$ 5,42 para R$ 5,60, e de R$ 5,40 para R$ 5,50 para o próximo.
Com isso, o Bacen se aproxima da reunião de dezembro diante de um cenário pior do que o de novembro, sob forte pressão inflacionária. As perspectivas para a inflação futura são alarmantes, reforçando a urgência de um ajuste fiscal profundo como única alternativa para alterar essa trajetória preocupante.