Auxílio Brasil: consignado faz crédito de R$ 3.000 virar dívida de mais de R$ 5.
Uma simulação de empréstimo consignado para usuários do Auxílio Brasil, feito por uma financeira, mostrou que um empréstimo de R$ 3.046,54, quase cinco vezes o valor do novo Auxílio Brasil de R$ 600, pode virar uma dívida de R$ 5.760.
A simulação considera a margem consignável de até 40% do benefício reajustado, que começa a ser pago na terça-feira (9).
Se o beneficiário do programa de transferência de renda concluir o pedido de crédito, poderá passar os próximos dois anos recebendo o Auxílio Brasil com um desconto de R$ 240 – o diferencial do consignado é justamente o desconto em folha, o que reduz, para quem concede o crédito, o risco de inadimplência.
Esse mesmo empréstimo, se fosse concedido sob as regras do consignado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) , que tem juros máximos de 2,14% ao mês, custaria ao cidadão, ao fim de dois anos, R$ 3.927,36. Ele pagaria 24 parcelas de R$ 163,64.
A lei 14.431, que permitiu essa operação de crédito, foi publicada na edição desta quinta-feira (4) do Diário Oficial da União, mas há alguns dias financeiras e operadoras de crédito já recolhiam cadastros prévios de cidadãos em busca de empréstimo.
Bancos analisam se vão oferecer linha de crédito
Entre os bancos maiores, a expectativa no mercado é de que somente as instituições públicas, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, ofereçam a modalidade.
O BB diz que ainda analisa a possibilidade de operar a linha de crédito. A Caixa afirma que as contratações do empréstimo consignado do Auxílio Brasil terão início após a regulamentação das condições da operação.
As taxas de juros serão informadas quando iniciarem as contratações.
Itaú, Santander, BMG e C6 já definiram que não terão o empréstimo para os beneficiários do programa de transferência de renda. O Bradesco diz que está avaliando, mas que a princípio não deve operar a linha.
Se entre as instituições financeiras o interesse é moderado, entre os cidadãos, o assunto parece urgente, diz Edison Costa, presidente da Associação Nacional dos Profissionais e Empresas Promotoras de Crédito e Correspondentes (Anesp).
"Desde o anúncio, as pessoas começaram a ir nas lojas diariamente perguntar sobre esse consignado."
A taxa de juros mensal, segundo a entidade, deve ficar em torno de 5%, um pouco abaixo ou um pouco acima, diz o dirigente.
Em publicações e anúncios em redes sociais, financeiras e promotoras de crédito que estão recolhendo pré-cadastros para ofertar os empréstimos falam em taxas de 4,99% ao mês, o equivalente a 79% ao ano. Na simulação feita pela reportagem, as taxas previstas durante o cadastramento inicial eram de 5,88% ao mês, chegando a 98% ao ano.
"É uma taxa ótima? Não, não é, mas é uma operação de curta duração, é o que as empresas vão conseguir fazer", diz o representante da Aneps.
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), quem decidir oferecer o consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil deveria fazê-lo tendo a Selic como referência para os juros. Ajustada na quarta-feira (3), a taxa básica de juros da economia está em 13,75% ao ano.
"É melhor [a taxa de juros mensais de 5%] do que o beneficiário não ter alternativa e pegar um crédito com taxa seis, até sete vezes maior quer seja em um empréstimo para negativado, seja com agiota", afirma Edison Costa.
Os anúncios em redes sociais são similares, até porque a margem consignável –o percentual da renda que pode ser comprometido por um empréstimo– é a mesma para todos os beneficiários do novo Auxílio Brasil.
A maioria fala em conceder até R$ 2.600, mas simulações feitas pela Folha em sites de financeiras chegavam a mais de R$ 3.000.
Essas projeções consideraram uma mordida mensal de R$ 240, valor que hoje corresponde a 40% dos R$ 600 do Auxilio Brasil. Porém, o benefício só será pago nesse valor até dezembro. Em janeiro, passará a ser de R$ 400, quando a margem consignável estará limitada a R$ 160.
Consignado já gera reclamações
O site do Reclame Aqui já registra queixas envolvendo o empréstimo consignado do Auxílio Brasil.
Clientes relatam tentativas de cancelar a solicitação do crédito e até insatisfação com o valor pré-aprovado em algumas instituições – os cadastros prévios não estariam considerando a margem total permitida pelo governo federal.
O Pan, uma das instituições financeiras cujos correspondentes bancários começaram a fazer pré-cadastros alguns dias após a aprovação do texto no Senado, diz que está se preparando para oferecer o crédito. No momento, o banco diz que aguarda a efetiva regulamentação da modalidade para definir taxas e prazos.
A Aneps calcula que as concessões de consignados possam movimentar cerca de R$ 2 bilhões. A estimativa considera os cerca de 1,2 milhão de empréstimos consignados pagos mensalmente a aposentados e pensionistas do INSS e que movimentam aproximadamente R$ 1 bilhão.
Além da Selic como teto para os juros anuais, o Idec defende que somente bancos públicos sejam autorizados a conceder o empréstimo. A restrição, afirma a entidade, poderia minimizar o risco de endividamento dos beneficiários do Auxílio Brasil.
Para a associação que representa as empresas de crédito, as críticas a esse consignados confundem proteção com tutela. "É quase um tabu falar nisso, mas é muito melhor ele tomar um empréstimo de um juro controlado e fazer bom uso do dinheiro", diz Costa, da Aneps.
"Nossa orientação é para que os correspondentes sejam muito cuidadosos e expliquem detalhadamente o funcionamento desse empréstimo, considerando que é um público que estava fora do sistema financeiro recentemente."
A operacionalização do consignado no Auxílio segue pendente de regulamentação. A publicação da lei apenas formalizou sua existência.
Beneficiários do INSS também tiveram margem ampliada
Na mesma legislação, o governo também ampliou a margem consignável para beneficiários do INSS. O limite de comprometimento da renda passa a ser de 35% para empréstimos, 5% para cartão de crédito consignado e 5% para o cartão benefício consignado.
Nesta quinta, uma medida provisória concedeu o mesmo ajuste no limite do consignado aos servidores federais.
Para esses empréstimos, os bancos não têm a opção de conceder ou não a margem maior. Uma vez que o direito está criado, os beneficiários passam a ter direito e, mesmo quem já tem empréstimos ativos poderá contratar novos créditos, desde que o valor mensal fique dentro das novas margens.