29/09/2014 - SCP - Sociedade em conta de participação - Tratamento contábil e fiscal - Ano-calendário de 2014
A Sociedade em Conta de Participação (SCP) difere das demais sociedades empresárias, notadamente por não ter obrigatoriedade de registro público, mesmo celebrando contratos entre pessoas. A constituição de uma SCP independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito. Na SCP existem dois ou mais de sócios, um que se obriga contra terceiros, denominado sócio ostensivo, pessoa jurídica, e o(s) outro(s), chamado(s) de sócio(s) participante(s), antes chamado(s) de sócio(s) oculto(s), podendo ser pessoas físicas ou jurídicas. As SCP são reguladas pelos artigos 991 a 996 do Atual Código Civil (Lei 10.406/2002).
Portanto, toda a atividade econômica constante do objeto social deverá ser exercida única e exclusivamente pelo sócio ostensivo, sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais sócios dos resultados obtidos, sem ingerência nos negócios sociais, ou seja, o sócio participante pode fiscalizar a gestão dos negócios sociais, mas não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que fizer parte, na forma como dispõe o art. 993 do Código Civil - Lei nº 10.406, de 2002.
Na SCP, o contrato produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não lhe confere personalidade jurídica. Por conta disso, a SCP não pode ter firma ou denominação, tendo em vista a característica de sociedade não personificada. Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais. Excepcionalmente, havendo mais de um sócio ostensivo, o que é muito raro acontecer, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo. Apesar de a SCP não possuir personalidade jurídica, elas são tratadas como pessoa jurídica, na forma como dispõe o art. 149 do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/99), em que diz que as SCP devem apurar seus resultados observando as normas aplicáveis às pessoas jurídicas em geral.
Apesar de a SCP não ter personalidade jurídica, passou a ficar obrigada à inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) por conta da revogação do item 4 (quatro) da Instrução Normativa (IN) SRF nº 179, de 30 de dezembro de 1987, pelo art. 52 da IN-RFB nº 1.470, de 30 de maio de 2014. Por conta disso, a Solução de Consulta nº 121 da Coordenação do Sistema de Tributação (Cosit), de 27 de maio de 2014, na qual se entendia estar dispensada a inscrição no CNPJ da SCP, deixou de ter eficácia.
Para inscrição no CNPJ da SCP, a sócia ostensiva deverá solicitar o cadastro via Internet, informando como evento o código 101 - Inscrição de primeiro estabelecimento e como data do evento, o dia em que foi assinado o documento de constituição da SCP. Informar como natureza jurídica 212-7 - Sociedade em Conta de Participação, e escolher um nome fantasia para a SCP, objetivando facilitar a movimentação de documentação para efeitos contábeis e fiscais, e informar a atividade econômica da SCP. O endereço a ser informado será o local da atividade da SCP. No Quadro Societário (QSA), informar somente o sócio/administrador da empresa (sócio ostensivo), CPF e a data da entrada deste na SCP, com a qualificação 31 - sócio ostensivo. O documento a ser juntado ao pedido deverá comprovar a existência da Sociedade em Conta de Participação com a discriminação do sócio ostensivo e do(s) demais participante(s), sem necessidade de registro em qualquer órgão.
Mesmo com a inscrição no CNPJ da SCP, compete ao sócio ostensivo a responsabilidade pela apuração dos resultados, o cumprimento de obrigações acessórias e recolhimento dos impostos e contribuições administrados pela RFB desta modalidade de sociedade. O sócio ostensivo, bem como a SCP, podem apurar seus resultados com base no lucro presumido, quando possível. Pode também uma empresa ser tributada com base no lucro real e a outra com base no lucro presumido, e vice-versa.
Por outro lado, é importante frisar que a escrituração contábil deverá ser destacada em cada caso, de forma a identificar com clareza e exatidão o resultado econômico da sócia ostensiva e de cada uma das SCP. É como se existissem duas ou mais empresas em uma só, com seus resultados individualizados, uma a uma, já que a sócia ostensiva pode ter várias SCP. O objetivo dessa segregação é evitar que o lucro ou prejuízo fiscal da sócia ostensiva seja compensado com o resultado de uma SCP, e vice-versa. Como cada SCP está obrigada à inscrição no CNPJ, será apurado o resultado por CNPJ, seja da sócia ostensiva ou da SCP. Essa segregação já era feita independentemente da obrigatoriedade da SCP se inscrever no CNPJ.
O aporte de recursos para formação do capital da SCP, tanto do sócio ostensivo como do(s) sócio(s) participante(s), deve ser registrado no Patrimônio Líquido da sócia ostensiva, em conta específica, como por exemplo: Capital Social da SCP - Verdes Mares (nome fantasia). Esse capital social não tem nada a ver como o capital social da sócia ostensiva. Por outro lado, o aporte de recursos da sócia ostensiva na SCP deve ser registrado no grupo do Ativo Não Circulante (antigo Ativo Permanente) - Investimento - da sócia ostensiva, estando sujeito aos critérios de avaliação previstos nas leis comercial e fiscal, respectivamente, na Lei nº 6.404, de 1976, e Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, com suas alterações. Os lucros recebidos de investimento em SCP, avaliado pelo custo de aquisição, ou a contrapartida do ajuste do investimento ao valor do patrimônio líquido da SCP, no caso de investimento avaliado por esse método, não serão computados na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins. Os rendimentos pagos pela SCP serão tributados na fonte, nos termos da legislação aplicável às demais pessoas jurídicas. Os beneficiários desses rendimentos poderão compensar o imposto e/ou contribuição retidos, tendo também o mesmo tratamento fiscal aplicável às demais pessoas jurídicas, devendo, em qualquer caso, utilizar sempre o CNPJ do sócio ostensivo.
Atualmente, na atividade imobiliária, é muito comum uma construtora celebrar contrato com uma outra pessoa jurídica e/ou física para executar um determinado empreendimento, constituindo uma SCP. Esse empreendimento será executado pela construtora que passará a ser a sócia ostensiva da SCP. Os demais sócios participantes desta SCP não terão responsabilidade perante terceiros nem participação na administração desta. Nesse caso, a construtora apurará seus resultados em função de suas atividades normais, e o resultado da SCP será apurado em separado, sendo os impostos e contribuições federais recolhidos em Darf separados, com o mesmo código, um para a sócia ostensiva e outro para cada uma das SCP, usando o mesmo CNPJ da sócia ostensiva, com a locação na DCTF feita separadamente. É aconselhável usar um nome fantasia para cada uma das SCP. Normalmente essas SCP são constituídas objetivando realizar determinado empreendimento, por prazo limitado. Após a conclusão do objeto, a sociedade se d esfaz, com a baixa no CNPJ.
Observa-se, também, no mercado imobiliário, que muitas construtoras formam uma SCP para realizarem uma determinada incorporação imobiliária, com registro de patrimônio de afetação no cartório de imóveis. Em seguida é tirado um outro CNPJ, exclusivamente para recolhimento dos impostos e contribuições federais (IR, CSLL, PIS/Pasep e Cofins), no Regime Especial de Tributação, sendo aplicado a alíquota de 4% (quatro por cento) sobre o valor da receita recebida, ou de 1% (um por cento), no caso de imóveis vendidos até R$ 100.000,00, vinculados ao Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV. Mesmo ocorrendo à tributação em separado, faz-se necessária a segregação dos resultados da construtora e da SCP. Vale lembrar que o CNPJ da obra afetada é usado exclusivamente para efeito de recolhimento dos impostos e contribuições federais, não sendo apurado qualquer resultado econômico nesse CNPJ. Portanto, o resultado contábil e fiscal da obra afetada será apurado no CNPJ da SCP.
Nos casos acima, os lucros apurados pela construtora e pela SCP poderão ser distribuídos aos sócios com isenção do imposto de renda na fonte e na declaração de rendimentos, desde que se mantenha contabilidade comercial. A partir de 1º de janeiro de 2014, as empresas tributadas com base no lucro presumido ficaram obrigadas a entrega da Escrituração Contábil Digital (ECD), inclusive as SCP, na forma como dispõe o art. 3º da IN-RFB nº 1.420, de 19.12.2013 (DOU de 20.12.2013), que diz textualmente:
"Art. 3º Ficam obrigadas a adotar a ECD, nos termos do art. 2º do Decreto nº 6.022, de 2007, em relação aos fatos contábeis ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2014:
I - as pessoas jurídicas sujeitas à tributação do Imposto sobre a Renda com base no lucro real;
II - as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro presumido, que distribuírem, a título de lucros, sem incidência do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), parcela dos lucros ou dividendos superior ao valor da base de cálculo do Imposto, diminuída de todos os impostos e contribuições a que estiver sujeita; e
III - as pessoas jurídicas imunes e isentas.
IV - as Sociedades em Conta de Participação (SCP), como livros auxiliares do sócio ostensivo. (Incluído pela Instrução Normativa RFB nº 1.486, de 13 de agosto de 2014)." - Grifos nossos.
Vê-se que, na inexistência da ECD, os lucros distribuídos com base no lucro presumido serão tributados na fonte e na declaração de rendimentos do titular ou sócios, ficando a isenção limitada ao lucro presumido apurado, diminuído dos impostos e contribuições decorrentes.
Vale destacar que a ECD compreenderá a versão digital dos livros Diário e Razão, e seus livros auxiliares, se houver, e o livro Balancetes Diários, Balanços e fichas de lançamentos comprobatórios dos assentamentos neles transcritos.
Quanto ao aspecto fiscal, a partir do ano-calendário de 2014, todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas, exceto as optantes pelo Simples Nacional, deverão apresentar a Escrituração Contábil Fiscal (ECF), de forma centralizada pela matriz. No caso de pessoas jurídicas que foram sócias ostensivas de SCP, a ECF deverá ser transmitida separadamente, para cada SCP, além da transmissão da ECF da sócia ostensiva (IN-RFB nº 1.422, de 19/12/2013).
A Escrituração Fiscal Digital das Contribuições incidentes sobre a Receita (ECD-Contribuições), em que se apura o PIS/Pasep, Cofins e a Contribuição Previdenciária Substitutiva, passou a ser exigida das SCP em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2014. Portanto, uma EFD-Contribuições deverá ser transmitida pela sócia ostensiva para cada SCP, além da transmissão da EFD-Contribuições da própria sócia ostensiva, na forma como dispõe o art. 4º, § 4º, da IN-RFB nº 1.252, de 1º de março de 2012, com a alteração dada pela IN-RFB nº 1.387, de 2013.
Por conta dessas alterações, as SCP deverão manter contabilidade distinta da sócia ostensiva, com escrituração das contas patrimoniais e de resultados em livros próprios, sob pena de impossibilitar a entrega das obrigações acessórias como a ECD, ECF e a EFD-Contribuições, já a partir de 1º de janeiro de 2014. A falta de entrega ou a entrega fora do prazo dessas obrigações acarreta multa que varia de R$ 500,00 a R$ 1.500,00, por mês-calendário ou fração, em função do regime de tributação adotado pela pessoa jurídica, na forma disciplinada no art. 57 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001.
Este trabalho tem como objetivo esclarecer algumas dúvidas suscitadas no Plantão Fiscal da Receita Federal do Brasil em Fortaleza-CE, não podendo ser utilizado como fonte para eventuais questões contrárias ao entendimento da própria Instituição.
AFRFB Nilo Carvalho
Supervisor do Plantão Fiscal da Receita Federal do Brasil em Fortaleza-CE
19.09.2014